Tia Ciata – parte 2

Tia Ciata e a Religião Afro-Brasileira

A contribuição de Tia Ciata para a música e a dança são inegáveis, mas ela também foi uma importante figura religiosa. Praticante do candomblé e filha de Oxum, iniciou-se numa casa de nação Ketu. Tornou-se Mãe Pequena e abriu sua casa para rituais religiosos, o que ajudou a manter viva a tradição do candomblé no Rio de Janeiro.

Nesse âmbito, as tias baianas Ciata, Bebiana, Mônica, Carmem, Perciliana, Amélia, dentre outras, destacaram-se nas principais formas de organização e influência sobre a comunidade. Portanto, essas mulheres receberam reconhecimento e respeito por suas posições centrais nos terreiros e por suas atuações nas principais atividades do grupo. Conseguiram garantir a manutenção de tradições africanas, sempre reinventadas, guardando possibilidades de revitalização na vida da cidade. Transformaram suas casas, na área da Praça Onze, em pontos de referência e convívio comunitários.

Porém, cabe lembrar que qualquer expressão de religiosidade afro-brasileira era tolhida com rigor naquela época. E acarretava prisão, obrigando as casas de candomblé a realizarem suas cerimônias às escondidas nos fundos das residências.

Até o Presidente da República Respeitava Tia Ciata!

Erveira, Tia Ciata ganhou fama de curandeira. Por isso, foi chamada ao Palácio do Catete com o objetivo de cuidar de uma ferida na perna do presidente Wenceslau Brás. A ferida resistia, em suma, a todos os tratamentos indicados pelos médicos. No entanto, a Ialorixá o curou com um unguento de ervas.

Wenceslau Brás expressou sua gratidão e reconhecimento oferecendo o que a curandeira desejasse. A transferência de João Batista, seu marido e funcionário público, é o único pedido que Tia Ciata faz ao presidente. A solicitação da curandeira permite que o funcionário da Imprensa Nacional ganhe nova função na chefia de gabinete do Chefe de Polícia da época. Assim, durante o mandato de Wenceslau Brás (1914-18), as festas na casa de tia Ciata passam a ser autorizadas, contando com o envio de dois soldados que fazem a segurança. 

Desta forma, Tia Ciata conseguia realizar as cerimônias de candomblé sem a importunação da polícia da época, tornando-se importante personagem de promoção da religiosidade afro-brasileira.

Empreendedorismo de Tia Ciata

Além dos deliciosos e famosos quitutes que vendia em seu tabuleiro pelas ruas do Rio, paramentada com saias e turbantes, Tia Ciata passou também a confeccionar e alugar roupas de baiana feitas com requinte, para teatros e desfiles carnavalescos, não só para as “cocotes” chiques como também para homens, gente graúda que gostava de se travestir nos festejos de Momo. 

Tia Ciata e seu Impacto Duradouro

O legado de Tia Ciata perdura até os dias de hoje. Sua influência na música e na cultura afro-brasileira foi fundamental para o desenvolvimento do samba, que se tornou um dos gêneros musicais mais emblemáticos do Brasil. Além disso, sua dedicação à religião afro-brasileira contribuiu para a preservação e difusão das tradições espirituais africanas no país.

Gracy Mary Moreira, bisneta de Tia Ciata, em entrevista à Rádio Brasil de Fato, avalia que “mais que expressão cultural, o gênero samba revela parte da história que tentaram apagar da cultura do povo negro, uma vez que a junção de diversos ritmos que os povos escravizados trouxeram para o Brasil formaram o samba”. Para ela, a discriminação e marginalização do samba acontecia justamente por preconceito pelas suas raízes africanas.

A doutora em história comparada e pesquisadora em cultura afro-brasileira, Helena Theodoro, na mesma entrevista, afirma que “Tia Ciata representa para nós o símbolo da mulher que não é costela de Adão nem metade de laranja de ninguém, somos inteiras, somos descendentes da rainha de Sabá, de Cleópatra, de Nefertiti, da rainha Njinga de Angola, de Tereza do Quariterê, de uma série de líderes que inclusive criaram o samba de roda e criaram todo um conhecimento de ervas para curar, foram as baianas quituteiras”.

Conclusão

Tia Ciata é uma figura notável na história da cultura brasileira. Por causa de sua paixão pela música, dança e religião afro-brasileira, tornou-se uma líder comunitária e uma guardiã das tradições culturais africanas no Brasil. Seu legado é uma lembrança importante da riqueza e diversidade cultural de origem africana, que continua a influenciar a sociedade brasileira e a cultura mundial.

A pesquisadora Helena Theodoro reforça que é muito importante manter viva a história do povo negro para que as pessoas possam se encontrar com suas origens. Para ela, “a gente tem um desconhecimento muito grande da África de hoje e da África de ontem. No Brasil, nós tivemos 500 anos do processo escravagista, a história de África tem 10 mil anos. Somos os criadores do processo civilizatório dos seres humanos na Terra”.

Com uma história tão representativa, Tia Ciata merece, portanto, ser lembrada como uma das grandes contribuintes para a preservação e promoção da herança africana no Brasil. ♥

Ana Paula Castro

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